De Ideia a Imagem: um pouco sobre os roteiros visuais de Segunda-feira de Sued Nunes
- Marvin Pereira

- 19 de mai.
- 4 min de leitura
Os visualizers de Segunda-feira, álbum de Sued Nunes, foram pensados como extensões sensíveis das músicas, criamos pequenas narrativas visuais que traduzem em imagem o que as faixas trazem.
Os roteiros foram escritos por mim e a direção criativa é assinada por mim em parceria com Wendel Assis e Sued Nunes mergulham em gestos cotidianos, símbolos afetivos e atmosferas poéticas para compor um mosaico imagético sobre a vivência negra, feminina e periférica. Cada vídeo é um fragmento de mundo: ora contemplativo, ora urgente, sempre carregado de sentido. A seguir, você confere uma breve descrição do processo de criação de cada visualizer.
Eixo
Abrindo caminhos e anunciando movimentos, o clipe de “Eixo” evoca a força e a presença de Exu, orixá da comunicação, dos encruzilhamentos e dos inícios. Através de símbolos visuais, gestos e elementos tradicionais, o vídeo traça uma linguagem própria, conectando o sagrado ao cotidiano. É um convite à escuta atenta e ao respeito pelas ancestralidades que movimentam o corpo, a rua e a palavra.
Bobeira
A noite cai e Sued Nunes caminha por uma rua deserta, iluminada apenas por um feixe de luz intensa que atinge seus olhos. Esse foco, quase teatral, representa a vigilância necessária para transitar pelo espaço urbano sendo mulher, sendo negra. O olhar fixo e atento de Sued é o ponto central do plano, e a iluminação direta nos lembra que, para algumas pessoas, andar pela rua exige atenção redobrada. Aqui, cada sombra tem significado.
Nem Tenta
Em meio à natureza, a câmera encontra Sued concentrada, amolando um facão com calma e precisão. Aos poucos, outras mulheres se revelam, também afiando seus próprios instrumentos, todas com facões detalhados por brilhos metálicos. O ritmo da cena cresce, transformando o gesto em rito. É um momento de preparação e poder feminino, onde a mata não é abrigo, mas campo de força e foco. Cada lâmina reflete determinação.
Um Lance
No calor e na vibração de uma feira-livre, um romance se insinua. Duas pessoas trocam olhares, sinais e mensagens como num jogo antigo de telefone sem fio. A feira funciona como cenário e personagem, pulsando em cores, sons e movimento. Entre frutas, barracas e vozes, nasce uma relação silenciosa, onde a comunicação se dá pelo que não é dito uma dança de olhares no meio das pessoas.
Menino Molhado
Dentro de uma casa, à luz branda de velas, Sued aparece em perfil enquanto, ao fundo, um menino toma banho de cuia. A cena tem um tempo próprio, o da ternura. O enquadramento é simples, íntimo, quase pictórico. A iluminação suave valoriza o silêncio e o cuidado, criando um retrato de afeto e memória. Aqui, a água não limpa apenas o corpo ela revela um elo profundo entre gerações e gestos cotidianos.
Mais do que um poste pode fazer por uma rua
No quarto, Sued observa a si mesma. Há espelhos, janelas e um balde nas mãos. A introspecção se desdobra em ação: do quarto à rua, ela carrega o balde e rega flores pelo bairro. O visualizer mostra uma jornada de dentro pra fora da reflexão à renovação. A rua aqui não é só trajeto, mas extensão da casa, da mente e do corpo. A luz da tarde colore esse rito de autocuidado e reconstrução.
Propósito
No coração da mata, Sued está ao lado de uma árvore imponente. Em silêncio, outras mulheres a cercam e a escutam com atenção. Sued segura um violão não apenas como instrumento, mas como símbolo de partilha. O ambiente é de conexão profunda: entre mulheres, entre tempos, entre raízes e vozes.
Deixa o Menino Jogar
Na rua, um garoto negro, pintado de prata, joga capoeira e samba com precisão e beleza. Seus movimentos, por vezes em câmera lenta, nos convidam a ver o jogo como dança, como arte, como celebração. A cena é uma ode à cultura popular e à resistência. Cada giro e cada passo afirmam: brincar também é existir com dignidade.
Palavra Perdida / Se Essa Rua Fosse Minha
Brincadeiras de infância tomam conta da rua: esconde-esconde, amarelinha, pega-pega. A câmera observa com atenção, como se fosse mais uma criança, mergulhada na espontaneidade e energia do momento. Mas à medida que o visualizer avança, uma tensão se instala. Quem protege as infâncias negras nas ruas?
Sued por vezes imóvel, por vezes serena, brinca com uma criança. A câmera registra os sorrisos, os olhos brilhantes, a liberdade dos corpos em movimento. Em seus pés, a terra vibra como se contasse histórias. A imagem é solar, quase mítica. Sued, no centro, parece guardar e guiar esse mundo. Aqui, a rua é sonho um lugar onde a infância floresce sob o olhar de quem já caminhou muito.



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